segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Em terras paraenses


Aqui em terras paraenses eu paro e penso, sempre que o clima me permite. Reviso as três grandes fragilidades da cidade: o clima quente e úmido demais, o sistema de transporte deficiente, e o barulho excessivo. Eles continuam aqui, fazem parte do núcleo duro de nossos defeitos.
Quanto ao clima pouco há a fazer, além de lamentar e sofrer. O transporte poderia ser melhorado caso tivéssemos mais entranhadas em nossas ações as noções de ordem, de planejamento estratégico, de respeito ao espaço público, ao invés de nosso espontaneismo e imediatismo habituais, de nossa cultura do improviso, que ao mesmo tempo nos salva e nos desgraça. Estou resolvido a testar os limites do terceiro fator, o barulho. Assim que algum vizinho se exceder na música após as 10 da noite vou chamar a polícia para ver o que dá. Nunca, em lugar nenhum, o direito à diversão de alguns deveria ser mais importante que o direito ao sono de um trabalhador, de um estudante, seja de quem for.
O que há de bom sobre a pele quente da cidade? Antigas e sólidas amizades, carinho, afeto. Antigos e maravilhosos sabores: muruci, pupunha, guaraná, tucupi... Instalado em meu lugar nenhum, eu passeio e observo. Nortista demais para pertencer ao sul, mas impregnado de hábitos sulistas que me fazem estranhar muitas coisas daqui.
Belém metrópole, organismo vivo, quente e irrequieto. Lusitana e indígena sim, mas algo muito além do português e do índio.
Belém viva, pulsando cheia de esplendor e de decadência, fugidia, difícil de definir e decifrar. Belas ruas com os eternos túneis de mangueira, decrépitos subúrbios cheios de lixo, barulho e violência. Histórias soterradas, memória dilapidada, futebol em ruínas.
Ficar amigo íntimo das pessoas no primeiro contato, mas não por futilidade nem por hipocrisia como os sulistas acham: por afinidades que se sabem passageiras, mas não dispensam a cordialidade e a possibilidade do riso. Consciência de que as verdadeiras amizades levam tempo, precisam ter escrito uma história de presenças e quiçá de ausências, mas mantendo o contato direto, tocando na pele, cutucando com o dedo, seja para agradar ou para irritar.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Angola


Cada semestre para mim costuma ter um tema, geralmente um país ou um escritor específico. Este que passou foi Angola. Já conhecia um pouco da música, e tinha lido um livro do Pepetela, o Mayombe. O que iniciou a redescoberta desse fascinante país foi a leitura de Geração da utopia, a obra prima de Pepetela, que minha namorada estava lendo para o mestrado e eu peguei carona.
O livro é um relato de trinta anos da sofrida história do país através dos pontos de vista de distintos e emblemáticos personagens, daqueles que dão a impressão de serem nossos conhecidos e amigos há muito tempo. Sara, Aníbal, Malongo, gente palpável, gente de um país lusófono muito próximo de nós. Um dos melhores e mais bem construídos livros que li nesta década, de fato inesquecível.
Em seguida veio a música, com destaque para a voz rouca de Bonga e a criatividade e força das composições de Paulo Flores. Conheci o ritmo chamado Semba, que soa como algo entre a música caribenha, especialmente a cúmbia, e o nosso carimbó, mas com uma batida ligeiramente diferente. Os ritmos Kuduro e Kizomba não me agradaram muito. O primeiro é o funk carioca deles: engraçadinho, mas ordinário. O segundo é uma versão bem pop do zouk antilhano, também não impressiona muito.
O português falado em Angola soa melódico, bonito, com influência do português de Portugal, mas sem a dureza e a rispidez da sonoridade ibérica.
Cinema, infelizmente nada. Comida, acho que só indo lá para provar. Aqui dá pra ver um programa interessante da Regina Casé em Luanda.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Silêncio por enquanto

Outubro e novembro, meses de ajeitar o apartamento novo e de trabalhar muito para pagar as prestações. Por isso o silêncio. Nem o show do REM foi devidamente comentado aqui, uma vergonha. Voltaremos em breve, quando o tempo for mais generoso.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Para não esquecer

Se eu hesitar em uma esquina de Buenos Aires

Tentando segurar as lembranças nas mãos

Pacotes mal amarrados

Trens em velocidade zero onde já não entro

Se o vento frio do rio de leite me segurar a manga

A manga, que engraçado a mesma e diferente manga

Será possível, será dormindo

Será contigo em uma foto com os pezinhos para cima

Se eu tomar um choque em plena Avenida de Mayo

Em frente ao London, discutindo prêmios

Será apenas a tua mão que me atingiu, que me envolveu

Que me devolveu ao centro e me trouxe a outro bairro

E se for enfim um tango em Porto Alegre

Será Porto Alegre, então, será preciso

Será desperto

Será tranqüilo

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Resposta ao livro das respostas

Caro amigo, obrigado pelo comentário. Obviamente tu és uma das grandes exceções: tu tens curiosidade e não desprezo pelo diferente, como a maioria dos meus melhores amigos. Entendo teu comentário sobre o racismo, mas não devemos esquecer uma coisa bem clara e brutal: os negros estão em grande desvantagem inicial, sim. Por mais que tentemos relativizar dizendo que todos somos preconceituosos e tal, isso não muda o fato concreto. Pior: corremos o risco de tentar escondê-lo e tornar o preconceito justificado por ser algo “natural” e comum a todos. Não vamos cair nesta armadilha. Não queremos ser nem condescendentes nem cínicos.

Quanto á amostragem de minha análise (papinho científico, hein?) fica assim: classes média e alta de Porto Alegre, além de universitários vindos do interior, que é com o que mais convivo. Devo confessar uma coisa: as pessoas de classe baixa com quem tive contato tendem a ser bem mais simpáticas e menos arrogantes, como em qualquer lugar do país. Como no Guamá. Queria conviver mais com este meio, que afinal é de onde venho.

Sabe do que sinto falta? De conhecer a mítica Satolep melhor. De conhecer a fronteira, o Pampa profundo. De ampliar meu olhar, como tu sugeriste. Que tal juntarmos uma galera e fazermos essa descoberta juntos? Tipo “Eu indo ao Pampa, o Pampa indo em mim”. Ampliar o olhar é comigo mesmo, é meu esporte preferido.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Sobre civilidade e truculência em Belém


Já escrevi sobre Porto Alegre, talvez seja a hora de colocar Belém em foco. Nossos problemas, nossos acertos, com o olhar enviesado que quem já não tem a presença física da cidade, mas a leva sempre no peito.

A princípio me parece que nos falta um certo cuidado com a cidade, uma vontade maior de deixá-la bonita e arrumada, de achar um horror um papel de chiclete jogado ao chão. Estamos melhorando, eu acompanho pela internet. Temos vários lugares bonitos, mas ainda temos muitas ruas mal cuidadas, um crime em uma cidade potencialmente tão bela.

Somos dispersos, e o calor não ajuda nem um pouco. Vivendo aqui no sul as quatro estações percebo como o calor faz mal para o pensamento e para a concentração. A atividade intelectual fica mais difícil, pesada, requer uma disciplina ferrenha. O frio acelera o pensamento, disciplina o olhar, concentra a energia. Ter bom senso em um clima quente como o de Belém é ser um herói, um guerreiro.

Então somos dispersos, mas qualquer um seria nestas condições. Somos atrasados, temos o espontaneísmo do brasileiro médio, ficamos melhores amigos ao primeiro contato. (Credo, e eu estranhando isso tudo!). Não temos a necessária aversão ao populismo e ao coronelismo. Permitimos que no interior do estado haja trabalho escravo, impunidade, todo tipo de horror e injustiça. Até para a esquerda ganhar eleição tem que pedir benção ao sinhozinho grande.

Deixamos um de nossos maiores intelectuais ser perseguido na justiça e agredido fisicamente apenas por ter uma opinião sólida e divergente sobre as coisas. Não fazemos muita questão de democracia nem de opiniões divergentes. Somos truculentos, rebarbados, grossos. Em algum momento do século XX perdemos nosso refinamento afrancesado, nosso charme de grande metrópole da Amazônia, nossas luzes na floresta. Perdemos muito de nossa delicadeza, criamos o mito da “terra do já teve”. A integridade física, intelectual e legal de Lúcio Flávio Pinto dará a medida de quanto ainda somos civilizados ou de quanto cedemos à brutalidade.

E paradoxalmente há tantas coisas belas, belas, tantas Eneidas e mangueiras, tanta musicalidade e intensidade, tanta poesia. A chuva - em Belém, e só lá, eu gosto da chuva. Banho de cheiro, corda do Círio, tacacá. A pujança metafísica do bolo de macaxeira, o arraial do Pavulagem, a visceralidade dos sucos de taberebá, muruci e cupuaçu. Tanta coisa, que não cabe em apenas um post.

Meu futebol


Eu, como a maioria dos brasileiros, adoro cerveja, mulher e futebol. Mas tudo do meu jeito. Gosto de cerveja escura e encorpada, não da água fraquinha que as pessoas preferem. Não suporto mulheres “gostosas e burras” estilo programa de humor antiquado, e em futebol não consigo me empolgar com clássicos locais. Remo ou Paysandú, tenho mesmo que escolher e endeusar um, e odiar mortalmente o outro? Pergunta retórica e idiota para a maioria, eu sei, mas é assim que eu sou. Eu sou os dois, um híbrido esquizofrênico talvez, mas muito eu. Que me importa o Gre-nal, o bom mesmo é ver o Grêmio ganhar do Corinthians, do River. Quanto maior a dimensão geográfica da partida, mais me interessa. Uma cidade apenas é pouco para mim.

Isto posto, é com tristeza e não com ironia que vejo o Remo ameaçado de eliminação na série C. Nosso pobre, corrupto e bagunçado futebol paraense, que já viu dias muito melhores, se arrasta melancolicamente tentando se reerguer. Conseguiremos?

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Bússola ideológica


Ano de eleições, lá vamos nós atualizar nossas convicções ou a falta delas. Interessante gráfico encontrei neste site aqui. A velha polarização direita x esquerda (eixo econômico) vem atravessada por outra que para mim é mais relevante: autoritário x libertário (eixo social).

Meu resultado: centro-esquerda bastante libertário, o mesmo do Dalai Lama e do Ghandi. Gostei. Façam o teste e confiram.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Parte 3


Criticar de maneira generosa e bem intencionada uma pessoa ou um lugar que se gosta é um ato de respeito. Dizer “olha, não tratem tão mal os negros e os outros brasileiros” é querer que este lugar fique mais humano, mais bonito. E um modo de dizer sim, estou aqui, sou feliz aqui, mas continuo sendo essa maquininha de pensar, esse olhar inquieto, esse nômade incansável. Não é porque eu te acho arrogante que eu não vou gostar de ti.

Diferentes Arrogâncias II


Engraçado os gaúchos reclamarem de uma coisa que é tão forte, inclusive aqui: a pele escura. O Rio Grande é um estado lindamente mestiço, cheio de gente de todas as cores pelas ruas, com essa diversidade que os tornou um povo tão bonito física e espiritualmente. Só que muitos preferem não ver isso, preferem fingir que os outros são os mestiços e aqui estão os “puros”. Preferem ignorar toda a beleza e a alegria que a presença dos negros e dos índios traz. Como diz Vítor Ramil: “Que triste foi a escravidão, mas que triste um povo que não tem negros”.

Quanto à tão propagada preguiça dos outros, devo dizer que aqui conheci e convivo com tanta gente preguiçosa quanto convivi em qualquer outro lugar do país. Gente legal, gente idiota, gente passional, enfim, todos os tipos humanos que se encontra em qualquer capital brasileira. Nem mais, nem menos, apenas a necessidade deles de se afirmar como trabalhadores, que é como eles concebem que seja o ocidental. Coisa da colonização provinciana que receberam dos alemães e italianos, assunto já tratado aqui.

Por último, a questão da aparência. São mais bonitos e mais vaidosos que os outros brasileiros, isso é inegável. Muito por causa da mestiçagem e da raça negra, que eles tanto esculhambam. O fato é que aprendi muito sobre cuidar da aparência por aqui, e tento me adaptar. A aparência é um valor forte, e ir contra isso em terra alheia não seria sensato. Diferente do racismo e do “trabalho”, que questiono veementemente, em relação ao quesito aparência eu humildemente sigo as convenções, observo e aprendo. É que o racismo e a calúnia insensata são degradantes para o ser humano, e cuidar da própria aparência (desde que isso não seja usado para diminuir os outros) não.

Diferentes Arrogâncias


I

Gosto muito do Rio Grande do Sul e da Argentina. Me identifico com muitos aspectos da cultura dos Pampas e admiro sobretudo que aqui haja artistas do calibre de um Vítor Ramil ou de um Spinetta. Por isso me permito fazer algumas críticas, do ponto de vista de quem vem de fora, mas já conhece a região o suficiente para essas coisas.

São duas terras arrogantes, é evidente, mas de arrogâncias diferentes. A arrogância Argentina tem em comum com a gaúcha a questão racial, e o fato de se acharem mais próximos do mundo ocidental que os “brasileiros”. Aí começam as diferenças. “Ocidental” para um argentino tem a ver com cultura e civilização, com pensamento, com um projeto de sociedade calcado em valores humanistas. Para um gaúcho os valores ocidentais passam pela dicotomia trabalho x preguiça, na qual eles imaginam representar o primeiro elemento, deixando aos demais brasileiros o desonroso segundo. Além disso, enfatizam o cuidado com a aparência, em detrimento do desleixo e do espontaneismo predominantes nos outros estados.

Para um argentino médio o brasileiro é bem-humorado (no sentido positivo da coisa), tem a pele escura, é um tanto inculto e – surpresa – próspero e trabalhador. A dicotomia trabalho x preguiça não faz parte do imaginário deles, que adoram conversas filosóficas e literárias nos cafés de Buenos Aires, deixando o tempo ter seu próprio tempo. Uma arrogância densa, introspectiva, intensa e discreta, passional e melancólica como a música deles.

Já para o gaúcho médio o brasileiro tem a pele escura, é feio, preguiçoso e desleixado. Já se vê que não andamos em alta por aqui. Mas há um elemento que equilibra o tipo de arrogância gaúcha: o bom humor. São muito bem humorados, como qualquer brasileiro, o que confere à arrogância deles um caráter não tão ríspido. Também são, paradoxalmente, muito receptivos e hospitaleiros com os forasteiros. Algo como “Não é porque eu te acho inferior que eu vou te tratar mal, tchê”. Uma arrogância extrovertida e simpática, enfim, e para quem é do mundo do rock como eu, uma vantagem adicional: aqui o rock é mais presente, mais visceral, mais entranhado no modo de ser das pessoas do que no resto do país. Isso sim uma vantagem, não essa balela provinciana de “gente trabalhadora, gente preguiçosa”.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Alanos em guerra


Alanos do mundo inteiro acompanhamos apreensivos os movimentos de Guerra em nosso território. A Ossétia do sul, país alano anexado pela Geórgia e pretendido pela Rússia, que já controla a Ossétia do norte (a Alania por excelência), chama a atenção do mundo nesta época de utopia olímpica. O ideal seria uma Alania independente tanto da Rússia como da Geórgia, mas fortes relações comerciais aproximam nosso país do gigante russo. Será a diplomacia capaz de atuar e dar uma resposta pacífica a este impasse?

domingo, 3 de agosto de 2008

Gotas de ideologia

Durante muito tempo achamos que o capitalismo era o inimigo. Bobagem, os inimigos sempre foram os mesmos: os reacionários. O capitalismo não é bom nem mau, é como os remédios: depende de como se usa. Pode criar uma Suécia ou uma Bolívia. Os reacionários, estes sim, estão por aí arrotando sua arrogância e sua intolerância, fedendo a mau humor e tentando congelar o mundo.

O problema não é ganhar dinheiro (ganhar dinheiro honestamente é muito bom). O problema é perder a lucidez, a gentileza, a curiosidade, o tesão pela vida, o respeito pelos outros.

Discordando um pouquinho

Corro o risco de escrever besteira, pois vou tratar de um universo que não me é familiar. Em caso afirmativo, vale pelo menos pela curiosidade. Aviso de antemão: filmes de ação me fazem dormir. Perseguição de carros e tiroteios para mim são as coisas mais tediosas que se pode pensar em colocar no cinema. O que me seduz é a trama, a atuação, a trilha, e as leituras que se pode fazer de um filme. O movimento das idéias e das emoções mais que a velocidade dos corpos.

Pois vamos ao Batman. Pelas razões expostas acima, ano passado assisti pela primeira vez na vida um filme dele: Batman begins. Gostei bastante, me lembrou quando eu lia os quadrinhos do Frank Miller. Empolgado, fui então ver o novo Batman, e tive que me esforçar bastante para não dormir. Lembrem-se, sou leigo em ação e não me empolgo com efeitos especiais. A discussão sobre o crime e sobre o que a cidade precisa me pareceu simplesmente piegas. Ou seja: o filme não me divertiu nem me fez pensar. Me sobrou o Coringa, realmente uma performance brilhante. Cada vez que ele saía de cena e dava lugar ao inexpressivo Duas Caras e sua namoradinha insossa o filme despencava.

Claro, há questões interessantes que com boa vontade podem ser levantadas a partir do filme, há toda uma produção bem realizada, mas duas horas e meia daquela lenga-lenga foi demais. Que cortassem uma hora de filme e deixassem só o Coringa brilhar, com umas pitadas de Alfred e de Morgan Freeman, aí sim teríamos um belo filme para as massas e para mim também, que afinal nada tenho contra as massas. Nada tenho contra a diversão, desde que seja de fato divertida. Não gosto da postura arrogante de quem tem prazer de detestar algo que o grande público adora, só pra ficar se achando superior (Ver post sobre deslumbrados e elitistas).

Quando li que se chamava Cavaleiro das Trevas achei que era o do Frank Miller, mas não era. Quem sabe se um dia de fato filmarem este quadrinho clássico eu volte a me empolgar com o homem morcego.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Balanço cinematográfico


Neste primeiro semestre de 2008 os filmes que chamaram a atenção foram:
Into the wild (Na natureza selvagem), de Sean Penn. Retrato pungente e sem concessões de uma experiência radical, à la Thoureau em seu Walden: a busca pelo isolamento do contato humano, o refúgio na natureza como forma de transcendência. Um road movie que, além de tudo, tem a belíssima trilha sonora de Eddie Vedder.

Cassandra’s dream, de Woody Allen. Ele volta com tudo a Londres e a Dostoievski para mais uma tragédia moderna, no estilo de Match Point. Haja fôlego.

L’age des tenèbres, de Denys Arcand. Foi apelidado de “A era da inocência” no Brasil, mas o nome original é muuuuito mais adequado: A era das trevas. Alegorias medievais, problematização da fantasia e das estruturas burocráticas, é Denys Arcand fechando brilhantemente a trilogia que começou com o chato “O declínio do império americano” e engrossou em “As invasões bárbaras”.

Dois filmes “menores”, mas muito simpáticos também merecem ser lembrados:
Once (Apenas uma vez). Irlanda, de novo. Música, como sempre. Uma interessantíssima história de amor sem beijos, de emoção suspensa e delicada. Para quem odeia “comédias românticas musicais” e para quem as adora. O ator principal é o guitarrista no lendário The Commitments. O país do sotaque mais charmoso do mundo continua produzindo belos filmes.

My blueberry nights bem que podia se chamar Noites Azuis, mas recebeu o infeliz título de “Um Beijo Roubado”. Claro, vão dizer que Wong Kar Wai se vendeu para Hollywood, que ficou comercial e tal, como sempre dizem. Mas há muita coisa ali, isso há. Além da fotografia inconfundível, há temáticas diversas ao redor do eixo da busca da identidade e da superação da dor. O “caminho mais longo para atravessar a rua” é muito fértil e saboroso.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Minha Itália


Morar no Rio Grande do Sul é necessariamente repensar a Itália nossa. Para um brasileiro padrão e para boa parte do mundo a Itália é uma terra latina, passional, terra de artistas, inventores, gente extrovertida e comunicativa. Gente como o sonhador e desvairado Fellini, o refinado e contundente Lampedusa, o inigualável Ítalo Calvino, sem falar em todos os mestres da renascença e tantos outros que nos últimos oitocentos anos ajudaram a tornar o mundo um lugar mais inteligente, interessante e criativo para se viver.

Pois a Itália daqui não é nada disso. Ser “italiano” aqui é quase sinônimo de ser provinciano. É viver sob uma “ética do trabalho” que dispensa o pensamento que não sirva à produção e acha que arte e filosofia são coisa de gente desocupada e nociva à sociedade. É ser Weberiano sem ser protestante nem precisar ler livro algum, e nem sequer imaginar quem é Weber. É sentir desprezo por essa gente “preguiçosa” e de pele escura que eles chamam de modo excludente de “brasileiro”.

Racismo e sensação de superioridade em relação aos de pele escura não é privilégio deles, é moeda corrente em todo o mundo ocidental, inclusive na verdadeira Itália. O diferencial dos pretensos italianos do sul é que eles ignoram o outro lado: o da criatividade, da racionalidade, da grande contribuição que a verdadeira Itália sempre deu ao mundo civilizado. A minha Itália não é uma terra de agricultores provincianos e racistas. A minha Itália é uma terra de luzes, de Leonardo da Vinci, de Michelangelo, de Umberto Eco, Antonioni, Vittorio de Sica... Uma terra que pode até eleger um Berlusconi ou acumular lixo nas ruas de uma das principais cidades, mas uma terra de gente com idéias, com atitude, gente que é parte de tudo o que de melhor a humanidade já produziu.

Para não parecer tão amargo nem tão pesado, vamos dar crédito às coisas boas de nossa pseudo-Itália sulista. Eles trouxeram ao país a bela tradição do vinho, a comida maravilhosa e o melhor suco de uva do mundo. Bem que podiam ter trazido também a verve poético-anarquista-humanista que tanto caracterizou a Itália historicamente.

domingo, 6 de julho de 2008

Demonstração de Força


Era uma noite de inverno em Porto Alegre. Caminhei sozinho pelas ruas da Cidade Baixa, a região boêmia da capital. Meus amigos daqui, ironicamente, são brasileiros demais para ter o rock circulando nas veias. Não se abalariam do conforto de suas casas em uma noite como esta para ver uma banda cult de Liverpool. Fosse um samba, um frevo, um maracatu e eu teria companhia. Mas ao chamado ancestral do rock apenas eu respondo.

Ao meu lado, invisíveis, Marcinha e Baratão seguravam uma garrafa de vinho. Paulo Gótico contava alguma piada, Eddie e Marquinho riam. Wagner caminhava com um sorriso cínico, Renato conversava com o Ivaldo, Darlene ficava ansiosa e Adriana acendia um cigarro. Era apenas eu na Rua José do Patrocínio, éramos todos nós na Avenida Nazaré. Durante a semana eu bem que notei que os cavalos da cidade pareciam estar dançando, e a lua tinha se pintado de cores assassinas, antecipando a chegada deles.

Ian Mcculloch sempre gostou de cantar no Brasil. Desde aquela distante primeira vez em 1987, ano em que conheci a banda. Recentemente um amigo esteve em Belém e trouxe meus preciosos vinis, que incluem todos os do Echo dos anos 80. Um verdadeiro tesouro de trezentas peças reencontrado. Em 2008 os vinis do Echo & The Bunnymen estão completando 20 anos - coisa boa que fiz foi colocar sempre a data de compra. Para comemorar estas duas décadas nada melhor que um belo show, com todas as músicas clássicas, algumas de novas e mais uns covers de gente que vale à pena.

O Opinião estava lotado, a maioria do público com seus trinta, quarenta anos. Um ou outro adolescente perdido, mas nem vestígio de emos e outros animais contemporâneos. Antes do show, música pop dos anos 80. Nada da caricatura que querem vender como a imagem oficial da década. Os coelhos de Liverpool representam um lado dos anos 80 que a mídia atual prefere ignorar. Um lado refinado, poético, intenso, longe da imagem engraçadinha e meio ridícula vigente nas tais festas anos 80, cheias de cabelos ensebados, teclados chinfrim e roupas brega. Contra essa babaquice o melhor antídoto é a demonstração de força dos Bunnymen.

Depois de meia hora de espera a platéia já excitada recebeu Ian, Will e companhia. A abertura perfeita, a primeira música do primeiro disco: Going up, seguida da paulada de Rescue e de Villier’s terrace fazendo o bloco Crocodiles. Os arranjos cheios, densos, com duas guitarras, bateria, baixo e um teclado à la Ray Manzarek. A voz do Ian, ao contrário do que eu esperava, soou potente e vibrante, mostrando que mesmo após vários cigarros e caipirinhas ele dá conta do recado.

Após balbuciar algo sobre tocar no Brasil e sobre futebol, que a gritaria da platéia não me deixou ouvir, eles mandaram uma das músicas mais contundentes e simbólicas de seu repertório: Show of strength, que abre o álbum Heaven up here. A prova definitiva de que a psicodelia pode ser musculosa, de que o rock está impregnado da verve mais pulsante do fazer poético, e de que por trás de cada riff de guitarra, de Chuck Berry aos Strokes, ressoam as vozes de Rimbaud, Baudelaire, William Blake e tantos mais.

Ao vivo eles conseguem fazer canções como Dancing horses, Silver e Seven Seas soarem ainda mais fascinantes, mais cheias de nuances. O público pede The killing moon e Lips like sugar, mas antes é brindado com belas versões de The cutter e da recente Stormy weather, que muita gente canta junto. Os quatro pilares da música dos Bunnymen ficam claros nas citações e covers: David Bowie, Lou Reed, Jim Morrison e John Lennon. Após uma hora e meia de show eles voltam para o bis com Lips like sugar e Nothing lasts forever, entremeada de Walk on the wild side, para delírio da platéia.

Outra pausa, outro bis. Desta vez Ian faz todos cantarem e dançarem People are strange, criando um clima jazzístico de cabaré. Em seguida, a última canção da noite faz vários casais se beijarem, imersos em uma atmosfera aquática, lírica e épica: Ocean rain.

Aliás, um dos méritos do Echo & The Bunnymen sempre foi a capacidade de unir o épico ao lírico, com um leve tom de ironia e melancolia. Outra coisa importante: eles sempre foram a minha banda. Joy Division, Smiths, The Cure, R.E.M. e outras que adoro, são bandas de todos. Echo & The Bunnymen é diferente. É a banda que me diz respeito, que eu usaria em uma camiseta; muito do que faz com que eu seja a pessoa que sou hoje em dia. São, enfim, uma parte importante e inalienável de minha própria identidade. Todos que amam música sabem do que estou falando, e têm com certeza a banda ou cantor de estimação. No meu caso, junto aos homens coelhos, existe apenas um: David Bowie.

Saí caminhando tranquilamente pela noite fria, mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta, assoviando sozinho as canções da minha vida.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Bunnymen


Um pequeno comentário para junho não passar em branco: Semana que vem teremos outra vez Echo & The Bunnymen, a melhor banda de rock do mundo, em Porto Alegre. O Ian já não canta como antes, eu sei, e apenas metade da banda está tocando, mas a velha e inexplicável magia dos coelhos de Liverpool continua entre nós. E quando entra aquele solo de The Killing moon...

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Outono


Agora que o outono chegou. Agora que o vento é suave no rosto, e a roupa fica mais pesada. Agora que os mais belos dias, aqueles com sol e frio, pedem licença para cobrir de folhas nossos tapetes. Agora que a atenção é contida, o olhar é espesso e a alma é grande. Agora que muito mais, lembramos enfim como pode ser agradável estar no Sul.

O Norte é a origem, a fonte, o mistério profundo e vasto. O Sul é o alívio, a ordem, a contenção necessária, o gesto preciso. Eu, ambos e nenhum. Trago comigo a espontaneidade (ainda?), o bom humor e o espírito nômade do Norte. Mas trago também um pouco de ordem, de disciplina, de rigor, precisão, leveza e melancolia da estética do frio. Talvez eu seja apenas Minas. Talvez um turco na Irlanda, um Nigeriano brincando nas ruas de Budapeste, um chinês em Pindamonhangaba.

Agora que o calor dá uma trégua, que se pode até entender que se goste do sol (será um deus o sol?). Agora é hora de abrir aquele vinho, tirar o Cortázar da prateleira, carregar o mp3 com discos do Spinetta e passear outra vez com Vítor Ramil pelas sete cidades da Milonga.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Alanos


Os Alanos, se os senhores lembram das aulas de história, foram um povo que durante a idade média viveu na região do Cáucaso, onde construiram o glorioso reino da Alania. Povo avançado, terra de sábios, guerreiros e poetas. Durante os séculos eles se espalharam por vários continentes, deixando uma contribuição única para a cultura mundial. Os remanescentes de nosso povo ainda habitam aquela região, hoje anexada à Rússia com o nome de Ossetia do Norte, ou simplesmente – Alania.

A lista de Alanos famosos é imensa. Com as variações ortográficas Allan, Allen, Alain e assemelhados, formamos uma legião que inclui Alan Moore, Alan Parker, Woody Allen, Alain Prost, Alain Delon, Allen Ginsberg, e muitos outros. Como o interesse desta vertente do Alanismo é voltado para as artes e humanidades, na próxima postagem começaremos nossa série quase didática com o maior escritor de histórias em quadrinhos de todos os tempos: Alan Moore. Enquanto aguardam, podem ir brincando de pronunciar Moore corretamente, ou seja: com som de /ó/ ao invés de /u/. O mesmo vale para Demi e Michael Moore.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Teoria da Literatura II – Níveis da experiência estética


A experiência estética, como escrevi na última publicação, não é apenas racional. Ela acontece em vários níveis. Primeiro, é necessariamente sensorial porque essa é a nossa forma de perceber o mundo. O objeto artístico entra pelos olhos, ouvidos, tato, olfato, paladar. Segundo, temos uma resposta emotiva à arte, ela desperta medo, raiva, alegria, júbilo, etc. Terceiro, a experiência estética tem um componente racional, lógico, que vai ganhar maior ou menor ênfase de acordo com a personalidade de cada um, do lugar e do tempo em que a pessoa se encontra, do momento de vida dele ou dela. Quarto, a experiência estética é algo compartilhado socialmente. É uma maneira de inserção ou de afastamento de um contexto social, uma maneira de dizer “pertenço” ou “não pertenço”, de adesão ou ruptura. Quinto, ela toca nossos valores, nosso julgamento moral, nosso certo e errado. Um filme que começa com alguém cheirando cocaína ou com um beijo homossexual elicita esse tipo de reação logo de cara.
Sexto, ela é ou pode ser transcendental, intuitiva, algo que pode se utilizar da razão, mas que vai além dela. É uma iluminação, uma epifania, claritas, um coincidir com a obra de um modo não mediado pelas palavras. Eu digo pode ser porque tem gente que não chega nesse nível, se contenta com os anteriores, aí só nos resta lamentar.
A teoria da literatura, assim como todo o discurso acadêmico, se utiliza de um único nível, o racional, para tentar dar conta de toda a experiência estética. Trabalho duro, cheio de percalços e becos sem saída. Trabalho que vale a pena, desde que se saiba de saída que temos sérias limitações pelo simples fato de escrever, usar um código lingüístico específico, sobre algo que é vivido em tantos níveis diferentes e é tão maior do que nosso humilde e necessário trabalho de pensadores da cultura.

Teoria da literatura I – Objeto? Que objeto?

A vida objetiva ameaça congelar as idéias do Alanismo, mas entre uma aula e outra, entre a Ipiranga e a Terceira Perimetral (traduzindo para a língua paraense: entre a Almirante Barroso e a José Bonifácio), além de muita música no mp3, o que tem dominado o caminho é a teoria da literatura. Assim:
A literatura é uma forma de arte, então uma boa teoria precisa estar atenta a todas as questões relativas à estética e à filosofia da arte. Muitas concepções válidas para a pintura, o cinema, a música devem valer para a literatura, para começar.
Mas não é só isso: a literatura tem proximidades perigosas com outras formas de contar, de utilizar o texto oral e escrito. O contar um caso, o texto jornalístico, filosófico, científico, muitas vezes se aproximam do texto literário de maneira a borrar as fronteiras em alguns casos. A novidade é que estou tendendo a achar que isso não é necessariamente algo ruim. A teoria da literatura pode correr o risco de não ter seu objeto de estudo bem definido, e pode tirar proveito disso.
Vejamos: o texto literário, como querem alguns, se caracteriza pelo caráter ficcional. Como explicar então a prosa poética, os ensaios de Borges e tantas outras formas de literatura que não têm no caráter ficcional seu ponto predominante?
O texto literário, como querem os formalistas russos, se caracteriza pelo uso da linguagem de maneira a criar um estranhamento. A literariedade (em russo literaturnost) definiria esse uso especial da linguagem, que é necessariamente diferente da linguagem cotidiana. Muito interessante, mas também insuficiente. A fala cotidiana de certos lugares está tão impregnada de metáforas e outros recursos “literários” que torna impossível levar essa classificação muito adiante. E muitos textos literários estão impregnados de uma dicção cotidiana, e não deixam de ser literários por isso.
O texto literário, segundo outros, se define por ser um fim em si mesmo, não ter um caráter útil nem pretender ensinar algo como os textos de outra natureza. Bobagem grande, pois todo vivente que escreve é porque alguma coisa deve estar querendo com isso. Não existe nada de desinteressado nem a passeio no texto literário, existem sim muitos conflitos, contradições e outras pequenas violências. Textos criados com objetivos religiosos, jornalísticos ou científicos podem virar textos literários, e vice-versa.
Ficamos assim por enquanto: a literatura pode ter algo de ficção, algo de estranhamento, algo de não precisar servir para nada prático, mas a definição do que é ou não um texto literário varia de acordo com a época e o local.
O fato de ter um objeto de estudos um tanto impreciso não é uma fragilidade da teoria literária. É um desafio constante, um convite à flexibilidade e a novas possibilidades, ao inusitado, afinal a teoria literária nada mais é do que uma tentativa de racionalização acadêmica de algo que é apenas em parte racional e racionalizável, a obra de arte.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

The Doors?


Confirmado para dia 12 de abril show dos Doors em Porto Alegre. Sim, isso mesmo. From Los Angeles, California e tal...Valerá os oitenta reais? O espírito de Jim Morrison baixará e todos entrarão em transe tribal, ou será apenas uma maneira dos velhinhos ganharem uns trocados?

segunda-feira, 17 de março de 2008

Muitos Centros II

Segundo postulado: existem vários centros, existem várias periferias. Embora o ocidente tenha um grande poderio econômico, político e simbólico, outros centros atuam de maneira significativa. Alguns exemplos: na música, a África é primeiro mundo e os paises escandinavos são a periferia da periferia. No futebol a coisa se divide entre potências européias e potências latino-americanas. Na literatura, ponto nevrálgico de difusão da cultura erudita, autores de ciclos culturais africanos e asiáticos têm levado vantagem sobre a Europa e mesmo sobre nós. Resumindo, cada região do mundo está liderando em algum campo em determinado momento, e esta liderança pode mudar se não for bem mantida. Tudo tem o seu rebaixamento, nada é garantido.

Proposta do Alanismo: estudar com cuidado o que cada ciclo cultural do mudo tem a oferecer. Não descartar nem privilegiar de antemão. Beber de todas as fontes possíveis de conhecimento, e estar atento aos motivos que nos levaram a ela. Vamos aos exemplos: no cinema é difícil ter contato com pelo menos noventa por cento dos países do mundo, mas nas locadoras e na internet há mais diversidade. O que o Alanismo diz não é ignore os Estados Unidos, pois isto seria preconceituoso e nos faria perder um monte de filmes geniais vindos daquele país. O que o Alanismo diz é: não ignore os outros. Tente quebrar o condicionamento cultural que nos ensina que só filmes em inglês podem ser bons. Tente olhar a complexidade e a beleza do mundo sem idéias pré-concebidas e sem achar que já sabe como vai ser. A gente não sabe, a gente tem muito a aprender e a se beneficiar disto. Scorcese, Woody Allen? Sim, claro. Mas também Mohsen Makhmalbaf, Theo Angelopoulos, Hector Babenco, Zhang Yimou. Voltaremos ao assunto.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Muitos Centros I

Até o século XIX a Europa era, no imaginário nosso, o centro do mundo. De lá a cultura e a civilização irradiavam para as periferias, e faria parte da elite intelectual quem conseguisse estar mais atualizado com as novas tendências. Este centro sofreu um pequeno deslocamento após a segunda guerra mundial: Os Estados Unidos juntaram-se a estes centros de irradiação, especialmente no campo político-econômico e na cultura de massas. Os intelectuais ainda eram europeus, mas o coração das multidões pertencia ao colosso do outro lado do Atlântico.
A partir dos anos 70, no entanto, especialmente após a publicação de Orientalismo de Edward Said, as teorias pós-colonialistas colocaram em cheque a centralidade do auto-denominado mundo ocidental. Embora tenha recebido muitas críticas por forçar a barra em um tipo de anti-ocidentalismo, Said foi importante para quebrar paradigmas e lançar novas questões, um novo olhar sobre as relações entre as culturas do mundo. Em grande parte devido a estes questionamentos é que a discussão sobre identidade é tão pertinente hoje em dia. Se África, Ásia e América Latina continuam em alto grau ainda dependentes econômica e intelectualmente do mundo ocidental, há também um forte movimento contrário, que coloca estes imensos pedaços do mundo participando de maneira mais ativa nas decisões globais.
A América Latina, essa grande e rica periferia do ocidente, tem conquistado seu espaço aos poucos e de maneira nada tranqüila. Já somos uma voz considerável dentro da potencia do norte, e temos uma penetração na mídia mundial que nos coloca de maneira menos estereotipada do que acontecia há algumas décadas. No entanto, ainda há muito a ser feito, e por isso o Alanismo vem dar sua colaboração para este debate. Ei-la:
Primeiro postulado: não existem apenas dois mundos chamados ocidente e não-ocidente. Existem vários mundos, divididos em grandes ciclos culturais. Nós pertencemos ao grande ciclo latino-americano (embora muita gente não goste deste nome porque ele colocaria em segundo plano a diversidade das culturas autóctenes dentro da região). As semelhanças históricas e culturais com nossos vizinhos são suficientes para nos incluir no conjunto de povos que foram colonizados pela península ibérica, tiveram seus nativos saqueados, dizimados ou escravizados, e receberam um considerável influxo de mão-de-obra escrava da África, que ajudou a moldar sua identidade. Outros grandes ciclos culturais são o mundo árabe, a Europa, as várias Ásias e Áfricas, com toda a complexidade e variedade interna de cada ciclo.
Continua...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Livros


Organizando minha biblioteca por países, percebo como a Europa e a América Latina estão bem representadas, e como a África e a Ásia andam carentes por aqui. Claro, a dificuldade de ler nas línguas originais daqueles continentes e a falta de traduções ajudam a explicar isto, mas não justificam. Estou aceitando doações, presentes, subornos e similares de autores africanos e asiáticos, especialmente de africanos lusófonos e de chineses ou persas.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O mais longo dos dias



Alanismo também é poesia. Esta é pelo fim do malfadado horário de verão:



Ela estendeu um cordão de luz sobre a avenida cinzenta

E tinha nos cabelos perguntas leves, grampos de anil

Esperou um ônibus que voasse, tomou coragem

Deixou migalhas de pão para os cachorros entediados

(Oh, correr na madrugada imensa com as mãos em chamas)

Na velocidade pensava melhor, no movimento relaxava

E o mundo passando em azul era o grito que faltava

Foi assim que ela viu

O nascer do sol nos olhos do amante desconhecido

Os feixes de tempo que unem o que é e o que está sendo

Os dedos percorrendo as partituras da sinfonia invisível

O dia de vinte e cinco horas que começava

E se desdobrava por dentro dela em pétalas elétricas


domingo, 17 de fevereiro de 2008

Elitistas e deslumbrados

O elitista diz: se faz sucesso, não serve par mim. O deslumbrado diz: se faz sucesso é porque é bom. O Alanismo diz: A qualidade e a intensidade da experiência estética não têm relação direta com a divulgação e a recepção da obra. Sejam os Beatles, seja o Violeta de Outono, o quanto são consumidos e assimilados é irrelevante para quem quer levar a experiência estética a sério. Quanto vendeu ou deixou de vender é problema da gravadora, da editora, etc. O problema de quem tem a experiência estética é a fruição da obra, em todos os seus níveis. O impacto que ela tem ou não na sociedade é apenas um deles.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Clepsidra


Uma das bandas mais interessantes do Guamá, de Belém e do mundo é o Clepsidra. Renato Torres e Maurício Panzera, eméritos guamaenses, desnvolvem sua verve neste projeto que une o melhor da tradição da canção popular paraense e brasileira com uma pegada de rock e alguns experimentalismos. Dá pra escutar o som deles aqui.
Essa é uma canção nova da dupla, com temática guamaense:

Guamá

caminho rente à chuva
noite turva sem par
o Guamá afunda surdo
e tudo quer sussurrar
e tudo quer prosseguir
a ruir pelos bueiros
arroios dos sorrateiro
sermos do bairro antigo
subúrbio danado a gente
valentia das frontes cegas
ungidas na regra bruta
a de sermos combalidos
à canalha em desterro
a primazia do erro vão
de ser cão sem amizade
e da vontade obscena
de viver sem exceção

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O Autor

Eu, como todos sabem, sou eu mesmo. Fundador, sacerdote e membro único do alanismo.

O Alanismo

Sistema filosófico que inclui metafísica, política, epistemologia, ética e estética, além de estudos sobre futebol, sinuca, tecnobrega e gastronomia. Será revelado aos poucos, neste mesmo espaço, para vosso deleite.

O lugar do autor

Nascido no bairro do Guamá, na cidade das mangueiras e da chuva. Atualmente ouvindo música em algum ônibus na cidade mais importante do sul do país.

O Guamá



Vamos falar de bairrismos, vamos falar do Guamá: o bairro da fina flor da intelectualidade paraense. Terra de homens cabeludos, altos e magrelos e de mulheres baixinhas e de personalidade forte. Terra de artistas e de gente empreendedora e valente. O subúrbio mais central da cidade das mangueiras, o mais visceral, o mais hermético. Toda esse gente talentosa que estudou no Madre Zarife, no Padre Leandro, Frei Daniel e em outros colégios públicos, com ou sem freiras. Toda essa gente que ficou ou que saiu para decifrar o enigma do mundo. Este espaço é meu e é nosso. Este espaço é todos os espaços juntos, e servirá para isso: ampliar a percepção sobre o verde vago mundo. Sugerir caminhos, ouvir dicas, propor descobertas e presepadas no mundo das artes, da cultura, da vida, da sinuca enfim. Para quem é guamaense e para quem um dia será.