segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Em terras paraenses


Aqui em terras paraenses eu paro e penso, sempre que o clima me permite. Reviso as três grandes fragilidades da cidade: o clima quente e úmido demais, o sistema de transporte deficiente, e o barulho excessivo. Eles continuam aqui, fazem parte do núcleo duro de nossos defeitos.
Quanto ao clima pouco há a fazer, além de lamentar e sofrer. O transporte poderia ser melhorado caso tivéssemos mais entranhadas em nossas ações as noções de ordem, de planejamento estratégico, de respeito ao espaço público, ao invés de nosso espontaneismo e imediatismo habituais, de nossa cultura do improviso, que ao mesmo tempo nos salva e nos desgraça. Estou resolvido a testar os limites do terceiro fator, o barulho. Assim que algum vizinho se exceder na música após as 10 da noite vou chamar a polícia para ver o que dá. Nunca, em lugar nenhum, o direito à diversão de alguns deveria ser mais importante que o direito ao sono de um trabalhador, de um estudante, seja de quem for.
O que há de bom sobre a pele quente da cidade? Antigas e sólidas amizades, carinho, afeto. Antigos e maravilhosos sabores: muruci, pupunha, guaraná, tucupi... Instalado em meu lugar nenhum, eu passeio e observo. Nortista demais para pertencer ao sul, mas impregnado de hábitos sulistas que me fazem estranhar muitas coisas daqui.
Belém metrópole, organismo vivo, quente e irrequieto. Lusitana e indígena sim, mas algo muito além do português e do índio.
Belém viva, pulsando cheia de esplendor e de decadência, fugidia, difícil de definir e decifrar. Belas ruas com os eternos túneis de mangueira, decrépitos subúrbios cheios de lixo, barulho e violência. Histórias soterradas, memória dilapidada, futebol em ruínas.
Ficar amigo íntimo das pessoas no primeiro contato, mas não por futilidade nem por hipocrisia como os sulistas acham: por afinidades que se sabem passageiras, mas não dispensam a cordialidade e a possibilidade do riso. Consciência de que as verdadeiras amizades levam tempo, precisam ter escrito uma história de presenças e quiçá de ausências, mas mantendo o contato direto, tocando na pele, cutucando com o dedo, seja para agradar ou para irritar.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Angola


Cada semestre para mim costuma ter um tema, geralmente um país ou um escritor específico. Este que passou foi Angola. Já conhecia um pouco da música, e tinha lido um livro do Pepetela, o Mayombe. O que iniciou a redescoberta desse fascinante país foi a leitura de Geração da utopia, a obra prima de Pepetela, que minha namorada estava lendo para o mestrado e eu peguei carona.
O livro é um relato de trinta anos da sofrida história do país através dos pontos de vista de distintos e emblemáticos personagens, daqueles que dão a impressão de serem nossos conhecidos e amigos há muito tempo. Sara, Aníbal, Malongo, gente palpável, gente de um país lusófono muito próximo de nós. Um dos melhores e mais bem construídos livros que li nesta década, de fato inesquecível.
Em seguida veio a música, com destaque para a voz rouca de Bonga e a criatividade e força das composições de Paulo Flores. Conheci o ritmo chamado Semba, que soa como algo entre a música caribenha, especialmente a cúmbia, e o nosso carimbó, mas com uma batida ligeiramente diferente. Os ritmos Kuduro e Kizomba não me agradaram muito. O primeiro é o funk carioca deles: engraçadinho, mas ordinário. O segundo é uma versão bem pop do zouk antilhano, também não impressiona muito.
O português falado em Angola soa melódico, bonito, com influência do português de Portugal, mas sem a dureza e a rispidez da sonoridade ibérica.
Cinema, infelizmente nada. Comida, acho que só indo lá para provar. Aqui dá pra ver um programa interessante da Regina Casé em Luanda.