quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Adeus, Belém do Pará


Belém, nossa querida Belém. Hora de dizer adeus. Hora de acertar algumas contas. Primeira conclusão: a relação orgânica que meu corpo tinha com a cidade já não existe, evaporou-se em algum inverno sulista. Meu organismo já não pertence ao meio da urbanidade amazônica, já é um corpo estranho. Assustador ou libertador, é o que está acontecendo.
Os amigos, as pessoas queridas sim, continuam sempre aqui dentro, desnecessário citar exemplos. Mas a cidade, essa cidade, já não é minha. Isso o que ficou desta vez. A cidade descolou do meu corpo. As pessoas não. A cidade, bela sempre, insuportável sempre, se afasta e segue sua vida, como uma antiga amante de quem guardamos remotas lembranças.
São muitos anos. São muitas vidas. Muita distância. Belém é um ônibus que passa direto quando fazemos sinal, que nos ignora quando mais precisamos. Assim: Levantar o braço, pois o ônibus se aproxima. O motorista nos vê, e decide não parar. Apenas porque ele está no comando, por um simples capricho. Isso é Belém. Isso é Pará. Um ônibus que recusou nos levar. Esse é o limite, a linha de corte. Eu não quero fazer sinal para esse ônibus. Isso é Belém. Isso é Pará. Um ônibus que nos esnoba e nos afronta em nosso momento mais frágil, quando o calor nos derrete a alma ou quando a noite nos ameaça em lugares estranhos.
Desta vez algo se rompeu. Esta vez não foi como as outras.
Mas as pessoas, as relações que tenho com as pessoas, estas continuam mais vivas e sólidas que nunca.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Cultura pop


I
A cultura pop nos envolve, nos cerca, nos contém. Mas, como qualquer produto humano, ela não é monolítica nem tem apenas um significado. Não é totalmente maravilhosa nem totalmente alienante. Assim como o futebol, a cultura pop é ao mesmo tempo sublime e banal.
Tomemos os anos 2000. O rock, um dos grandes ícones da cultura pop, esvaziou, emburreceu. Perdeu conteúdo, ganhou pose artificial e deixou o lado brega tomar conta. O fenômeno emo ajudou a banalizar e tornar ridícula uma das manifestações mais viscerais do século passado. Grandes bandas ainda há, claro, mas a penetração delas no imaginário popular ficou limitada. Um ponto a menos para o pop.
A mídia pop deixou de ser totalmente comandado pelos EUA. O Japão chegou arrebentando com seus desenhos de olhos grandes e sua cultura anime e Cia. Isso é interessante, ajuda a criar outros eixos de produção do imaginário pop. Não conheço muito esse mundo, mas percebo a importância histórica. Tomara que outro países e continentes apareçam também. Um a um.
A internet ajudou a deixar o mundo definitivamente mais conectado. Ninguém precisa mais comprar CD’s nem DVD’s, nem depender da boa vontade das distribuidoras nacionais. Isso vale dois pontos.
Uma cosia chata do pop atual: marcha de zumbis, filmes trash, essas coisas todas infantilóides e monótonas. Menos um ponto. Por enquanto: 3 a 2 para o pop.

II
A música brasileira que circula na grande mídia continua a idiotice de sempre, com a eterna desculpa de que “é só pra dançar, não é pra ouvir”. Dançando, dançando, a gente vai afundando com funk carioca, sertanojo e porcarias do gênero. Menos um ponto. Em cidades como Belém, onde as pessoas não têm a opção de não ouvir, isto se torna particularmente dramático.
Em Porto Alegre é fácil, raramente se é obrigado a ouvir o que não se quer. Há a possibilidade do silêncio. Em Belém, só resta o sofrimento deste pobre, heróico e sofrido povo cabano. Talvez isto faça toda a diferença: a possibilidade de escolher quando e como vamos estar expostos à cultura pop, de lidar com esses elementos todos do nosso jeito, na hora em que quisermos. Não há porque sentir ódio por uma coisa que não somos obrigados a ouvir diariamente, em horários absurdos.

III
Se a cultura erudita sofre com a ditadura da sisudez, o perigo que sempre ronda o pop é a banalidade irreversível. A ditadura da diversão, do efêmero, do engraçadinho. Eu, que para os sisudos sou banal, e para os banais sou sisudo, me resguardo o direito de aproveitar o melhor de todos os mundos. Riso e diversão sim, mas profundidade também que nóis não semos retardados.