terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Mais diferentes? Menos diferentes? Quem se importa? (Revisado)




Muitos gaúchos gostam de dizer que aqui é um país à parte, diferente do resto do Brasil. Dão várias justificativas para isso, das mais caricatas (porque aqui se trabalha) às mais sutis (o processo histórico de fronteira e a proximidade com os países vizinhos). Quanto às caricatas, não vale a pena comentar. Fiquemos com as sutis. Aqui há uma formação sui generis sim, com componentes culturais e históricos peculiares. As guerras contra os castelhanos, as revoluções internas, a influência intelectual e política do positivismo, a idealização de um gaúcho glorioso criada pelo movimento tradicionalista, entre outros elementos, deram uma característica marcante ao sul. Um lugar de cultura própria vibrante, rica e onde sempre há algo a descobrir.
Se eu fosse gaúcho, encerraria o texto aqui. Mas eu vou além. Vou falar da visão que eles têm do Brasil como um bloco indistinto do qual eles seriam diferentes. Visão restrita e problemática para os tempos atuais. Na verdade muitos estados podem gabar-se disso: de ter um processo de formação diferenciado e ser um caso à parte, não pertencendo totalmente ao Brasil. Pernambuco é um deles. Tem uma cultura e uma história próprias, tão interessantes quanto a gaúcha. Minas também. O Pará e o Amazonas também. Muita gente reivindica mais autonomia política e cultural em relação ao eixo Rio-São Paulo. Os amazônidas, o grande povo invisível, podemos dizer que nossa cultura se aproxima mais de países hispânicos vizinhos, tanto da América do Sul como do Caribe. Somos então, diferentes do “resto do Brasil”. A questão é que fora do Rio, São Paulo e provavelmente Brasília, todos podem encontrar material para ser mais diferentes que os outros, porque todos estamos em certa medida na periferia. 
E estas periferias estão se conectando, ou estão ainda dependentes da mediação de Rio e São Paulo?



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domingo, 24 de janeiro de 2010

Nei bate Gessinger com folga



            Dois grandes nomes do rock gaúcho fizeram pocket shows na mesma semana na livraria Fnac, aqui perto de casa: Nei Van Soria e Humberto Gessinger. Um pocket show é um mini show: intimista, com poucos instrumentos, só uma palhinha do trabalho do artista. Nei Van Soria, como todos sabem, foi membro fundador do TNT e dos Cascavelletes, bandas seminais do rock sulista, e tem uma carreira solo que fica mais consistente a cada disco. E o seu Gessinger veio com o projeto atual, chamado Pouca Vogal.
            No show de Nei há lugares sentados disponíveis, e um público variado: adultos, adolescentes, crianças. No show do Pouca Vogal, uma hora antes já há uma fila imensa, e é impossível conseguir lugares sentados. Só olhando de longe, em pé mesmo.
Nei Van Soria chega de modo bem simples, de jeans, tênis e camiseta, e manda ver uma seqüência de belas e inspiradas canções, acompanhado de um gaiteiro (povo do norte: sanfoneiro) muito competente. O público é pequeno, mas é atento e canta junto, incluindo as crianças. O cara olha nos olhos do público, toca o que tem que tocar, sem firulas. Uma postura ao mesmo tempo acessível e profissional.
            Humberto Gessinger é bem diferente. Ele dá a impressão de que está em um estádio lotado, e o público (grande maioria adolescente) parece querer isso mesmo. Muita pose, tudo com aquele gosto artificial do mundo dos pop stars. Nada a ver com o clima de show em livraria. Antes da metade eu já estava olhando o baú das promoções da Fnac, que tem coisas novas e baratas.
            Gostei bastante dos primeiros discos dos Engenheiros, e algumas vezes vi shows deles com muito interesse. Mas “o pop não poupa ninguém”, e a persona que ele mantém agora é chatinha e meio vazia. Ou ele sempre foi assim, e eu é que era adolescente e não percebia?
Em 2010, amigos, ouçam Nei Van Soria, especialmente Jardim Inglês e Cidade Grande, que são dois grandes discos, e assistam o DVD ao vivo que ele está lançando agora, que está muito bom. 
Aqui o site e o blog dele:



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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Mais solitários?



De vez em quando vem alguém com essa conversa de que hoje em dia, mesmo com tantas tecnologias novas, as pessoas são mais solitárias. É como se houvesse existido uma época de ouro das comunicações humanas, na qual as pessoas se entendiam, eram solidárias e todos davam as mãos e cantavam juntos. Posição do alanismo: isso é papo-furado.
Nós, humanos, sempre tivemos dificuldade para nos comunicar, e não é a tecnologia que vai levar a culpa por isso. Temos séculos de guerras, colonialismo, imperialismo, exploração, injustiça e angústias existenciais. Agora, nas últimas décadas então, de repente, não nos comunicamos mais? Vão enganar outro otário, não eu.
É preciso desconfiar das pessoas que têm fobia de tecnologia. Elas podem ser apenas velhinhos simpáticos e resmungões, mas também podem ser uns malas que entoam a monótona cantilena do “No meu tempo é que era bom”.
Estes são os meus tempos, e enquanto eu estiver vivo sempre será o meu tempo.




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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O verdadeiro centro


Já que não pertenço mais ao Norte, e tampouco fui totalmente assimilado pelo Sul, meu lugar seria a verdadeira síntese do país: Minas Gerais. O Rio de Janeiro representa apenas o Rio de Janeiro. Só em Minas há de facto um equilíbrio dos elementos que compõem nossa nacionalidade: a noção de planejamento e organização do Sul, somados à gentileza e simpatia do Norte, além de um toque particularmente mineiro que muito me agrada: a discrição.  Escrevi uns poemas tentando expressar isso, que ficaram meio confusos, talvez, mas têm lá seu interesse. Aqui vão dois deles: 



O meio


Aqui no meio, nem covarde nem medalha
Seguro os cabos de aço que sustentam os dias
As fatias das asas de borboleta
Veleidades de estrangeiro em solo indefinido


Aqui no meio, pedras e moedas raras
Bem só, acompanhado e saltando
Sem sentir o gosto das romãs de Armênias remotas


Aqui no meio, em meu lugar
Sou muito Minas Gerais, sou triangulinho vermelho
Liberdade tardia sobre fundo branco


Aqui caminho e volto para tomar banho




O centro


Sigo mais eu mesmo na solidão de ser
Não um monolito coerente e sólido
Mas camadas de terra revolta, bolo formigueiro
Retalhos de várias pessoas e vários fazeres
Sigo mais eu mesmo, mais Belo Horizonte
(Se meus olhos claros fossem faróis
iluminariam o caminho até a tua casa)
Sigo ao lado desse outro rio, grande
De muitas cores e velas codificadas
Eu as decifro ou as invento, dá igual
Crio os números de uma loteria polifônica
E varro o chão duas, três, nove vezes
Disperso e focado
Concisão e torrentes
Sigo eu mesmo na falta de muitos outros
Dos nomes que caíram de meu bolso
E dos que ainda chegarão em envelope selado
Sigo o caminho espiral do centro do caracol
Onde minhas pernas são felizes
E onde conto fábulas surrealistas antes de dormir




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sábado, 16 de janeiro de 2010

Diálogos



             - Esses tailandeses são todos uns preguiçosos mesmo.
            - Meu avô é tailandês, cara.
            - Bom, nem todos, né, mas a maioria só quer saber de dançar, de ir pra praia...
            - Meu pai é tailandês também.
            - Como eu te digo, pode até ter um ou outro diferente, mas a maioria só quer vida mansa. Nós aqui do Camboja aprendemos o valor do trabalho, da disciplina. Lá, esses tailandeses, com exceção do teu pai e do teu avô, são todos assim mesmo.
            - Minha mãe também.
            - Quê que tem tua mãe?
            - Ela é tailandesa.
            - Bom, ela é uma senhora muito legal, a dona Li Tuang. Outro dia mesmo ela me chamou pra almoçar com vocês, eu tava sem grana. Vocês são todos muito gente fina, cara. Gosto de vocês. Já tão aqui há muito tempo, né? Já se acostumaram com a cultura daqui, já trabalham bastante. Tu mesmo é um cara batalhador, né? Te vejo dia e noite estudando, trabalhando, fazendo projetos. Admiro tua força de vontade, meu.
            - Estamos aqui há três meses. Eu também sou tailandês.
            - Pois é, cara, pra tu ver que a pessoa não pode ser perfeita. Algum defeito tu tinha que ter!


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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

As forças e a fragilidade de Avatar


Finalmente assisto um filmo em 3D, o mega sucesso Avatar. A experiência é fascinante a princípio, principalmente pela sensação de profundidade de cada cena. Melhor ainda para quem entende inglês, que nem precisa se distrair com legendas.
Passado o fascínio inicial, tenho que encarar o território estranho do cinema comercial de aventura. Um mundo diferente, com uma lógica própria, com paradigmas aos quais não estou habituado. Um ponto positivo: o filme é abertamente anti-imperialista, bem ao gosto destes tempos pós-coloniais. Didaticamente, com muita paciência, tenta ensinar os americanos que outros povos e culturas não servem só para ser destruídos e conquistados, que há algo que podem aprender conosco. Digo “conosco” porque acho que nos identificamos a princípio com os azulões, ou estarei enganado?
O filme segue sua longa trajetória. Há um discurso ecológico bonito e interessante, que não chega a cair no piegas, e isto é um mérito para esse tipo de filme. A noção de conexão com a natureza que os azulões têm é bem apropriada, assim como a dificuldade dos americanos em entendê-la (que saudade de meus cabelos longos...)
O ponto fraco é evidente: ele não surpreende. Sabemos exatamente o que vai acontecer a todo momento. As únicas surpresas ficam para a parte visual, realmente impressionante. Mas a história se arrasta de maneira esquemática e previsível, mesmo para alguém sem muita experiência no estilo.
Claro, eu posso não ter entendido nada, e não sacado que o que importa mesmo são os efeitos especiais, e os níveis de leitura da história não interessam muito. Devo me dar por satisfeito de ele criticar o imperialismo tão abertamente. Por outro lado, o público de hoje em dia não é ingênuo. Facilmente se descobre o que é avatar, de onde vem, que mitologias estão envolvidas, que tipo de pessoas vão se sentir incomodadas com o filme. Os estratos simbólico, político, narrativo e ideológico nunca estiveram tão acessíveis ao público médio, é questão de dois cliques e quatro neurônios.
O que importa é que se sai do cinema com uma sensação de que valeu a pena, que ele atingiu não apenas os sentidos, e que há sim bastante conteúdo a ser analisado, ao contrário do que eu fico temendo sempre que me aventuro pelo cinema comercial: que seja só correria e explosões sem significado relevante, sem riqueza de composição.
Fechando de maneira coerente com o Alanismo: não importa se seis pessoas ou seis bilhões assistiram o filme, o que importa é o que ele teve a dizer para mim. E sim, ele falou e mostrou bastante.


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