quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Suécia amazônica II

Muito boas as últimas notícias: J. B., W. e D. na cadeia, pagando por todos os crimes que cometeram. Uma reforma total na política paraense, com a competência importando mais que as afiliações partidárias.
Excelentes as manchetes desta semana: L. F. P. ganhou todas as ações contra os M., e está recebendo uma indenização milionária.
Como é boa a política paraense! Tem o verdadeiro sabor de nossa gente! Égua!


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A Suécia amazônica


            
Nós, paraenses, somos um povo sofisticado. Nunca elegeríamos alguém que já cometeu qualquer tipo de fraude, como se passar por médico sem ter diploma. Uma afronta a qualquer bom senso. Também jamais permitiríamos que houvesse em nosso território algo tão infame quanto o trabalho escravo. Jamais. Outra coisa que nunca faríamos: permitir que a política seja feita por coronéis, no estilo mais bizarro e caricato que só a América latina sabe produzir. Repudiamos qualquer tipo de paternalismo e coronelismo na política. Queremos gente honesta, discreta e capaz.
            Quanto à convivência com os vizinhos, somos muito sensatos: sabemos que um trabalhador precisa descansar, então nunca tocamos música alta após as dez da noite. Também nosso excelente transporte público é silencioso, agradável e cheio de profissionais qualificados e muito bem educados. Respeitamos o silêncio nos ônibus, assim ninguém é obrigado a ouvir músicas de que não gosta.
            Tudo isso aliado à nossa estrutura de primeiro mundo de esgoto, água e coleta de lixo nos deixa aptos a receber qualquer evento como copa do mundo ou olimpíada. Somos limpos, organizados e bastante focados em tudo o que fazemos. Honramos nossas tradições cabanas, lemos nossos escritores com a devida atenção, sabemos nossa história com detalhes, e planejamos nosso futuro de maneira lúcida e altiva.
            Cuidamos muito bem de nossos times de futebol, com administrações competentes que os colocam sempre entre os melhores do país, levando apenas alegria às imensas torcidas.
            Em ano de eleição continuemos assim, essa verdadeira Suécia amazônica. 




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terça-feira, 29 de junho de 2010

Superstição não é só uma chatice: é um perigo

Tudo bem, estou torcendo pelo Brasil e envolvido no clima da copa. Mas o olho segue aberto para os exageros. Lembremos sempre: é só um jogo. E, muito importante: não importa o que façamos, não importa a cor de nossa cueca nem o lugar onde sentemos, não vamos influenciar o resultado do jogo. Só quem pode influenciar isso são os jogadores, o técnico, enfim, quem estiver diretamente envolvido.
Torcer, sim, mas entrar nessa obsessão midiática por coincidências e superstição não. O jogo quem ganha são os jogadores em campo, com esforço, técnica, garra. Só isso. Nós somos meros expectadores. Não importa o número de letras do nome de ninguém, nem o planetinha tal, nem a cor tal, nem a macumba tal. São os onze lá dentro do campo quem ganham, e nós aqui, torcemos. Simples assim.
Superstição é algo muito perigoso. Quem acredita e leva a sério a astrologia, por exemplo, não é muito diferente de um racista. Explico: pré-julgar alguém por ter nascido em tal signo é o mesmo que pré-julgar pela cor da pele. E não me venham com essa ladainha de que nós sempre pré-julgamos, não vamos desviar o foco aqui. Ter nossas opiniões é uma coisa, mas influenciar diretamente o projeto de vida de outra pessoa é bem diferente.
Imaginem gente deixando de conseguir um emprego porque o chefe não gosta do signo tal, ou porque a numerologia do nome do candidato não é auspiciosa. É o mesmo que não contratar um baita profissional pelo fato de ele ou ela ser gay ou negro, ou ter orelha de abano ou não gostar de doce de leite.
É chegado numa mandinga, irmão? Tudo bem, seja feliz. Há algo de folclórico e engraçado nisso, sem dúvida. Mas não deixe de ver a beleza e a complexidade das pessoas. Não deixe de duvidar, e de ter humildade para aceitar que muitas das coisas que acontecem podem não ter conexão causal entre si, ou estar simplesmente além de nossa capacidade de interferência. 

(Minha contribuição para o "Cala a boca, Galvão")
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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Dá-lhe, Dunga!


Como lidar com os gigantes? Nosso vizinho Dunga segue um caminho arriscado enfrentando os tubarões da todo-poderosa Globo. Bate de frente, chega para dividir, encara. Admiro o estilo dele. Direto, simples, objetivo e comprometido. Só que a Globo há décadas constrói a mentalidade de boa parte do país. Pode erguer ou destruir reputações. Mas cá ente nós, é muito bom quando alguém tem coragem de ir contra a Globo ou a CBF, não é? Quando alguém mostra a coragem que não temos. Dunga é o cara. Ganhando ou perdendo, não deve durar muito no comando, mas eu sei é que ele é o cara. Para ser meu maior ídolo agora só falta abrir a boca contra a corrupção e a total sujeira que há décadas dominam a CBF e esse tal presidente vitalício dela, cujo nome de tão sujo é melhor nem escrever. Queria ver o Dunga rugindo contra ele. 



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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Nós e o senso comum




Se vocês forem reparar bem, nós passamos boa parte de nossa vida tendo que ajustar nosso vocabulário e nossas referências ao senso comum. Nos acostumamos tanto a estreitar a linguagem e as citações para nos comunicar, que chega a ser um alívio falar com gente que nos entende. Por isso tanta gente que leu uns três livros acaba ficando arrogante e se achando o máximo, como se pertencesse a uma elite privilegiada. O senso comum brasileiro tem nível muito baixo, mesmo dentro da realidade latina. Compare o nível de linguagem e de assuntos de, digamos, um taxista argentino ou uruguaio e um brasileiro. Com raras exceções, perdemos feio. Raramente vamos além do lugar comum, da frase feita, do raciocínio raso e dos assuntos de sempre.
Nós que conseguimos ir além disso, costumamos ter duas atitudes: ou a do arrogante que arrota sua superioridade (quem freqüenta a universidade deve conhecer muita gente assim), ou do isolado e incompreendido que acaba se achando inferior aos outros por não se enquadrar, não dominar os códigos de socialização.
Proponho que não tomemos medidas drásticas. Admitamos que sim, lidamos com material intelectual mais sofisticado que a média, mas isso em si não nos torna especiais nem inferiores. Quando tivermos a tentação da arrogância, lembremos que de nada vale a inteligência sem o respeito aos outros e uma atitude ética. Quando nos sentirmos tristes e isolados, temos que saber que, sim, há outros como nós, que lidamos com naturalidade com o mero fato de ler um livro e discutir um filme, de procurar boa música, de dar alguns passos além do senso comum. E, finalmente, não olhar para o senso comum com desprezo nem medo nem condescendência. Quem foi criado no subúrbio e tentava ler lá seu Dostoeivski enquanto o vizinho ouvia pagode no último volume sabe do que eu falo. Só que o mesmo vizinho vai lá na tua casa e te ajuda a resolver um problema que tu não conseguias, como a pia vazando ou o interruptor de luz que dá choque.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Provando da própria razão


Agora entendo como se sentem as pessoas que amam um time ao lerem comentários racionais e bem construídos sobre o futebol. Agora está tudo mais claro: eu amo a seleção brasileira, contra minha vontade, contra qualquer prognóstico racional, independente de qualquer contexto. Assim como a maioria dos torcedores amam apaixonadamente seu time, eu amo essa camisa amarela. Não importa quem seja o técnico nem os resultados, é algo que a razão não dá conta de explicar.
Posso ser racional sobre Grêmio e Inter, Remo e Paysandú, mas quando toca o hino nacional e o esquadrão verde e amarelo entra em campo tudo adquire uma dimensão diferente. Quem já teve a experiência de ser brasileiro na Argentina ou em outro país de cultura futebolística forte pode entender. Quem, quando criança, colocou bandeirinhas na rua, pintou os muros e o asfalto, vestiu-se e ergueu a bandeira pode entender. Quem vibrou com um golaço do Zico, do Romário ou do Ronaldo vai entender.
Eu torço por esse time, e apoio a coerência de Dunga. Mesmo sem nosso conterrâneo Ganso, esse é meu time. Não acredito na aparente dicotomia entre futebol força e futebol arte: o que importa é ter técnica e garra, o resto vem junto. Arte e força não são excludentes. Paixão e racionalidade também não.


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quarta-feira, 9 de junho de 2010

Quando a bola rolar

A primeira copa do mundo que lembro ter acompanhado foi a de 82, com o super time de Falcão, Sócrates e Zico. A seleção que foi derrotada por Paolo Rossi. Lembro da empolgação a cada jogo, de minha camisa amarela, de como os passes de bola eram perfeitos, estilosos, como o jogo fluía. Hoje em dia há essa idéia estranha de que futebol arte é sinônimo de frescura e firulas desnecessárias. Futebol arte é eficiência, é técnica, é dominar a arte do futebol. Jogar bem. A vitória e a derrota fazem parte do jogo, às vezes são justas e às vezes não são. Mas futebol arte não é abrir mão de vencer para fazer gracinhas. Futebol não é uma guerra: é só um jogo.
Naquela época para o Alan criança futebol era magia e encanto. Hoje é um interesse, é filosofia, é um equilíbrio entre envolvimento e alienação. Engaja bem mais minha razão que meu sentimento. Raramente, em momentos especiais, a chama da emoção e do arrebatamento ainda brilha, ainda tenta dizer que está presente. Mas a criança sonhadora que eu era virou este adulto que luta e tem pouco tempo para devaneios.
É copa do mundo. A seleção brasileira para mim, ao contrário da maioria dos torcedores, sempre foi muito mais importante que os times. Acompanhei Grêmio e Flamengo sendo campeões do mundo nos anos 80, foi emocionante. Mas a seleção brasileira sempre teve algo a mais, algo além, que os clubes não proporcionavam. Nem mesmo quando o Paysandú foi campeão da copa dos campeões.
É copa do mundo. A derrota de 82 foi mais emocionante que as vitórias de 94 e 2002. Talvez pelo fato de ser o primeiro olhar da criança, a primeira experiência. A gênese de uma sensação.
É copa do mundo. Eu, que venho do Brasil que não tem vergonha de ser Brasil, do país que não tem pretensão alguma de ser europeu, e que se encontra muito bem na realidade da América latina, não me empolgo ainda. Eu, que amei essa camisa amarela mais que qualquer outra, que torço na contramão e penso demais quando deveria apenas sentir, não me contagiei. Eu, que ouso abrir a boca para dizer que não sou branco, que meu sangue e minha vida são decididamente mestiços, eu acompanho os fatos. Observo.
Glória ou indiferença, alienação ou revelação, o futebol está aqui, e temos que seguir aprendendo a lidar com ele. Não tenho respostas prontas, felizmente. Talvez as tenha quando começarem a tocar o hino e quando a bola rolar.