sábado, 30 de abril de 2011

Heróis e túmulos


Terceiro rascunho. Como escrever sobre Ernesto Sabato? O homem que me fez “aterrisar” na Argentina, que me fez ficar desconfiado sempre que passava pelo parque Lezama, olhando em cada banco para ver se Alejandra estava à espreita. O homem que me entortou a cabeça com a loucura metódica de El tunel, que nos guiou pelos labirintos áridos de Abbadón el exterminador, e que quase completou um século de existência. Morreu hoje, aos 99 aninhos, esse velho antipático, genial, polêmico, que soube mergulhar nas profundezas da história da Argentina e nos recantos soturnos da alma de seus personagens (o miolo de Sobre héroes y tumbas é talvez a peça literária não-dostoievskiana mais inquietante que já li), o velho anarquista com seus livros loucos e maravilhosos!
Adeus Sabato, o último sobrevivente dos quatro gigantes que formam meu cânone pessoal da literatura argentina – os outros, evidentemente, são Borges, Cortázar e Arlt. Adeus ao homem, porque a obra vai ficar por muito tempo fritando nossas cabeças acomodadas. 
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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Pedaço de outono


No outono, lembro que um dia já escrevi poesia. Hoje apenas correria, trabalho, objetividade. Uma pequena incursão pelos reinos abstratos, em pleno 2011:

Pedaço de outono

Espaçamento de antílopes
Córrego gotículas diamantes
Esta, a marcha da alma no bosque
Pequenas mãos que dizem oi
A respiração lenta dos ursos brancos
Após o jantar, a mesa e o que sobrou
dos sorrisos e das fitas
A marcha dos dias sem calor
No sul da América do sul
Um retrato em movimento
Desta vida, deste pedaço de
outono


quarta-feira, 13 de abril de 2011

Mineiros e argentinos


 

Vou assistindo uma bela vitória do Cruzeiro sobre o Estudiantes de La Plata, que acontece em estádio bem danificado pelo show do U-2. Um de meus times brasileiros favoritos, o Cruzeiro vai muito bem nesta libertadores, e nos intervalos entre uma jogada e outra vou lembrando de um argentino que sempre escuto nesta época do ano: Luis Alberto Spinetta, um dos maiores poetas do rock porteño. Curiosamente, em vários momentos ele me parece ter um quê de mineiro na composições, na entonação, no jeitão. Desde a primeira música de sucesso do ex-grupo dele lá nos anos 60, o Almendra, ele já soava como a versão Argentina do 14 Bis (comparação que se pretende honrosa para ambos, por favor).
            A construção das melodias, as texturas, tudo se encaixaria bem na música mineira, não fosse o idioma espanhol e certas temáticas bastante argentinas. Lô Borges ou Milton Nascimento não fariam uma música para o atacante do River, mas talvez fizessem para o Cruzeiro ou o Atlético... Não sei se um mineiro desenvolveria um tema como “Durazno Sangrando”, mas dá para imaginar o Flávio Venturini mandando “Alma de Diamante” com toda a propriedade, ou o Spinetta cantando “Um girassol da cor do seu cabelo”

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Os novos sete pecados



Acabei de saber que a igreja católica adicionou sete pecados aos famosos sete que já existiam. Os novos seriam atualizações para o nosso tempo. Não gosto de entrar em discussões de religião, acho que cada um sabe de si e vários caminhos podem levar à verdade, mas como o catolicismo tem muita força em nosso país, vale à pena analisar os novos pecados e nos posicionar.
O primeiro tem a ver com experimentos com células tronco. Entendo que precisamos ter limites éticos na ciência, mas historicamente a igreja tem se mostrado em descompasso com o conhecimento científico, quando não brutalmente contra os avanços tecnológicos. A ciência pode ser arrogante e cega às vezes, mas ainda é bem mais realista e democrática que a igreja católica. Essas pesquisas condenadas podem vir a salvar muitas vidas e aliviar o sofrimento de muita gente. Vai dizer para alguém que ficou paraplégico que a esperança de cura dele é um pecado...
O segundo é o uso de drogas. Concordo que qualquer exagero contra o próprio corpo e a própria saúde é prejudicial, só acho que devemos ter cuidado para não sermos hipócritas condenando quem fuma maconha enquanto tomamos nosso álcool bem tranqüilos, só porque de modo arbitrário em nossa sociedade um é permitido e o outro não.
Outro novo pecado: poluição do meio ambiente, este finalmente um belo acerto. Outro: agravamento da injustiça social. Nosso mundo é muito injusto, e a igreja católica muito contribuiu para isso. Interessante postularem a injustiça social como um pecado hoje em dia, espero que não seja só discurso.
O próximo é riqueza excessiva, e não posso concordar com este. Se a pessoa trabalhou honestamente, foi competente ou teve sorte, e se não enriqueceu como nossos políticos, acho perfeitamente justo que usufrua disso, que gere emprego e riqueza, e que aproveite o que conquistou. Chega de coitadismo, do discurso do pobrezinho conformado. Precisamos de gente empreendedora e muito honesta neste país, e sim, as duas coisas devem vir juntas – riqueza e honestidade.
O outro pecado é a geração de pobreza, o que corrobora o anterior: se temos gente empreendedora, ficamos mais ricos. Se somos honestos e respeitamos o mérito de cada um, temos uma sociedade igualitária e justa.
Último pecado: controle da natalidade. Os séculos passam e a igreja católica não aprende a lidar com a sexualidade humana de maneira adulta e responsável. Preferem continuar infantilizando as pessoas e tapando o sol com a peneira. Este último pecado é um grande desserviço a todos os fiéis, e contraditório com o pecado de não gerar pobreza: sem controle da natalidade, mais um monte de gente pobre no mundo, mais problemas de gente rejeitada pelos pais, etc. Os protestantes são sensatos o suficiente para permitir o casamento dos pastores, o que já um grande avanço.
Estes são os novos pecados de uma instituição muito antiga, que tem muitos méritos e inegavelmente faz bem a muita gente, por isso merece ser respeitada. Mas não podemos concordar cegamente com tudo, é preciso pensar sempre, mesmo sobre coisas que têm mais a ver com fé do que com racionalidade, porque estes pecados são criados historicamente, e acreditar que são pecados influencia no comportamento que teremos em sociedade. 

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sábado, 9 de abril de 2011

Nosso amigo, o outono



Todo ano, em abril, eu escrevo sobre isso: como é bom quando as temperaturas começam a cair, e o ano começa a valer à pena. Todo ano em abril meus movimentos ficam mais dinâmicos, as dores de cabeça diminuem, a disposição aumenta. É o outono que chega, é o alívio do não-calor e dos dias mais belos do mundo, com essa luz incomparável que só existe fora das regiões tórridas.
Sei que nesta época muita gente sofre com problemas respiratórios, assim como eu sofro com dores de cabeça no calor. Entendo e me solidarizo com estas pessoas, mas não posso deixar de dizer o quanto me alivia o fato de haver a mudança de estações, e a possibilidade de recomeçar. 
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