segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Alanismo é curiosidade


Durante a vida, várias vezes fui e serei chamado de hipócrita. Os que tão carinhosamente assim me chamam não conseguem conceber o que para mim é tão fácil, tão espontâneo: curiosidade. Ao deparar-me com pessoas, estilos de vida e culturas diferentes dos meus, minha primeira reação não é de rejeição, mas de curiosidade. Quero saber como o mundo funciona, como se formam diferentes maneiras de pensar, de agir, de sentir. Sempre fui assim, e estou bastante satisfeito assim sendo. Ora, para quem está acostumado a viver entrincheirado em uma posição, isso só pode soar como demagogia, hipocrisia e pieguice. “Que se interessar pelo diferente o quê, vai crescer, moleque!” E o moleque vai, cresce, mas continua sendo moleque.
Querer conhecer não significa não ter opinião, nem ser obrigado a gostar de tudo. Há coisas que não empolgam, evidentemente: Funk carioca, João Gilberto, filmes de ação, zumbis, paixão por um time, enfim, a gente sempre seleciona. Mas um dia eles também foram diferentes e estranhos, e eu prestei atenção a eles. Tiveram sua chance. Não me seduziram. Seguimos em frente, atrás de outras seduções. Seguimos sempre em frente no infinito processo de conhecimento e reconhecimento, que implica em se permitir dar uma chance. Curiosidade não é hipocrisia nem pieguice, é um modo de estar no mundo e manter a mente aberta, a espinha ereta e o coração tranqüilo.

Tomates



Acompanho os protestos contra a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil. A arriscada política externa do governo brasileiro está metida em justificáveis encrencas em Honduras e com a Itália, mas a aproximação com esse fascistóide é de difícil explicação. O que queremos? Nos tornar uma potência nuclear? Precisamos mesmo puxar o saco desse tipo de pessoa?
A bela cultura persa, cheia de mitologia, literatura e música não merece a deplorável situação em que se encontra. Terra de grandes diretores de cinema como Majid Majidi, Mohnsen Makhmalbaf e Abbas Kiarostami, o Irã é fortemente avesso à pluralidade de opiniões, e o dito presidente não tem vergonha de admitir que odeia homossexuais, judeus e mulheres. Tomate nele.



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quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Constrangedor




Em casa, leio as confissões de Santo Agostinho. A TV sem som mostra um jogo entre Palmeiras e Sport Recife. De vez em quando um torcedor aparece em atitude passional: choro, desespero, alegria incontida, ódio.
Desde o ano passado uma sensação me acompanha quando vejo esse tipo de coisa: constrangimento. É simplesmente constrangedor ver adultos investindo tanta energia e paixão em vão.
Em alguns momentos de minha vida já entendi isso, e até já senti algum arrebatamento ante uma grande partida. Hoje em dia, apenas observo e fico com vergonha pelos torcedores. Comparo o salário deles com os dos jogadores e cartolas. Comparo o futebol a uma igreja milionária que se sustenta explorando a boa vontade dos fiéis.
Minhas igrejas são outras, já sabem. Imaginemos apenas, caros leitores, que belo país teríamos se essa energia toda que gastamos com os times, gastássemos com nossa educação, saúde, qualidade de vida, justiça social. Se essa indignação ante um impedimento mal marcado fosse transformada em indignação ante a miséria, a injustiça, o preconceito. Se vestíssemos a camisa de cidadãos ao invés da camisa de um time, que belo espetáculo faríamos. Seríamos de fato os melhores do mundo.
Sei que futebol é alienação e êxtase, mas confesso que o lado êxtase tem sido cada vez mais difícil de perceber, de sentir. Estou, pelo segundo ano consecutivo, me desfutebolizando.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Carnivàle


É o nome de uma série americana que parou no final da segunda temporada e não recebeu a devida atenção. De temática complexa e produção bem cuidada, mostra o dia a dia de um grupo de artistas nômades de um parque de diversões nos anos trinta, na época da depressão econômica. Há uma rica simbologia e um trabalho de direção muito bem conduzido, o que explica o status de cult que adquiriu nestes últimos anos. Confira aqui.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Reforma orto-grafica


O que acho da reforma ortografica: inutil, pois nao faz o serviço de verdade. O que melhoraria mesmo nossa linda lingua seria o que o genio de Monteiro Lobato concebeu ha quase um seculo: acabar com os acentos. Extermina-los sem piedade, varrer para a lixeira. Outras linguas se viram muitissimo bem sem essa tralha pesada e desengonçada.
“E o acento diferencial?”, dirao. Preocupação legitima, mas injustificada. O leitor e esperto o suficiente para entender os contextos das palavras, sem ficar dependendo de bengalas. Nao somos? Vejamos: “Ele para aqui para tomar um cafe”. Ficamos terrivelmente confusos com o exemplo? Sentimos falta de algo? A língua, como a sociedade, os organismos e tudo o mais, evoluem. Ficar se apegando a sinaizinhos eh bobagem, vamos em frente e o ultimo a sair paga a cerveja. Quer dizer, a cêrveja. Ou melhor, a cêrvéjà.
Reforma boa seria esta. Quem sabe nos livrando de futilidades ortograficas nao acabamos aos poucos nos livrando de outras futilidades mais prejudiciais.


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Nós todos somos Geisy


A barbárie está bem próxima de nós, se aproximando a cada dia, e não podemos ficar calados. O ódio avança, de mãos dadas com o desprezo e a cegueira.
Mulheres são nossas mães, nossas irmãs, amantes, amigas... Como podemos ter ódio por elas, que fazem parte de nossa vida? Como explicar tanto desprezo por metade da humanidade, nós que as desejamos tanto? O que se percebe do caso da garota da Uniban, Geisy, é o ódio mal disfarçado ao corpo da mulher, à liberdade da mulher. A horda de reacionários mostrou suas garras, os fascistinhas universitários mostraram ao mundo o quanto somos um país que tem sérios problemas. E que diz adorar as mulheres, desde que elas estejam sob nosso controle, e façam exatamente o que queremos e o que esperamos.
Muito triste ver que mecanismos de culpabilização da vítima estão bem vivos entre nós: no site do Terra, 45% dos internautas disseram que ela merecia ser punida. Ou seja, quase metade da população está flertando com o pensamento mais retrógrado possível. Algo como dizer que uma vítima de estupro merecia tal ato porque ela “provocou”.
O controle rigoroso sobre o corpo é um dos primeiros sintomas do fascismo. Nosso país é doente, muito doente, em várias esferas: econômica, ética, social, moral... Quero continuar a acreditar que nas ruas ensolaradas de Belém e Porto Alegre nossas belas garotas (ou gurias) vão continuar andando com suas saias e vestidos do tamanho que lhes convier, sem ser lixadas e ameaçadas por isso, seguindo um mecanismo muito básico: quem gostar, que olhe. Quem não gostar, que vire o rosto e vá remoer sua inveja e seus fantasmas.




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