terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O verdadeiro centro


Já que não pertenço mais ao Norte, e tampouco fui totalmente assimilado pelo Sul, meu lugar seria a verdadeira síntese do país: Minas Gerais. O Rio de Janeiro representa apenas o Rio de Janeiro. Só em Minas há de facto um equilíbrio dos elementos que compõem nossa nacionalidade: a noção de planejamento e organização do Sul, somados à gentileza e simpatia do Norte, além de um toque particularmente mineiro que muito me agrada: a discrição.  Escrevi uns poemas tentando expressar isso, que ficaram meio confusos, talvez, mas têm lá seu interesse. Aqui vão dois deles: 



O meio


Aqui no meio, nem covarde nem medalha
Seguro os cabos de aço que sustentam os dias
As fatias das asas de borboleta
Veleidades de estrangeiro em solo indefinido


Aqui no meio, pedras e moedas raras
Bem só, acompanhado e saltando
Sem sentir o gosto das romãs de Armênias remotas


Aqui no meio, em meu lugar
Sou muito Minas Gerais, sou triangulinho vermelho
Liberdade tardia sobre fundo branco


Aqui caminho e volto para tomar banho




O centro


Sigo mais eu mesmo na solidão de ser
Não um monolito coerente e sólido
Mas camadas de terra revolta, bolo formigueiro
Retalhos de várias pessoas e vários fazeres
Sigo mais eu mesmo, mais Belo Horizonte
(Se meus olhos claros fossem faróis
iluminariam o caminho até a tua casa)
Sigo ao lado desse outro rio, grande
De muitas cores e velas codificadas
Eu as decifro ou as invento, dá igual
Crio os números de uma loteria polifônica
E varro o chão duas, três, nove vezes
Disperso e focado
Concisão e torrentes
Sigo eu mesmo na falta de muitos outros
Dos nomes que caíram de meu bolso
E dos que ainda chegarão em envelope selado
Sigo o caminho espiral do centro do caracol
Onde minhas pernas são felizes
E onde conto fábulas surrealistas antes de dormir




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2 comentários:

Renato Torres disse...

Alan,

Minas é nossa terra irmã, a concordar em pleno com o que dizes. muito bom te ler em poesia, depois de tanto tempo... dá saudades de caminhar pelas ladeiras de ouro preto, pelas travessas de BH, e de visitar amigos queridos, carinhosos, discretos, e profundamente humanos.

abraços,

r

Laura disse...

há muito tempo assisti a um filme: "entre o céu e a terra" do Oliver Stone, que fala da condição de não ter mais o chão da terra-mãe, de viver a vida de um eterno estrangeiro entre dois mundos.
É assim que eu me sinto tendo identidades tão diversas morando em mim. não sei se é vantagem.
A minha identidade se faz no contato com as pessoas, você entre elas.

Um abraço, Kica.