quarta-feira, 16 de junho de 2010

Nós e o senso comum




Se vocês forem reparar bem, nós passamos boa parte de nossa vida tendo que ajustar nosso vocabulário e nossas referências ao senso comum. Nos acostumamos tanto a estreitar a linguagem e as citações para nos comunicar, que chega a ser um alívio falar com gente que nos entende. Por isso tanta gente que leu uns três livros acaba ficando arrogante e se achando o máximo, como se pertencesse a uma elite privilegiada. O senso comum brasileiro tem nível muito baixo, mesmo dentro da realidade latina. Compare o nível de linguagem e de assuntos de, digamos, um taxista argentino ou uruguaio e um brasileiro. Com raras exceções, perdemos feio. Raramente vamos além do lugar comum, da frase feita, do raciocínio raso e dos assuntos de sempre.
Nós que conseguimos ir além disso, costumamos ter duas atitudes: ou a do arrogante que arrota sua superioridade (quem freqüenta a universidade deve conhecer muita gente assim), ou do isolado e incompreendido que acaba se achando inferior aos outros por não se enquadrar, não dominar os códigos de socialização.
Proponho que não tomemos medidas drásticas. Admitamos que sim, lidamos com material intelectual mais sofisticado que a média, mas isso em si não nos torna especiais nem inferiores. Quando tivermos a tentação da arrogância, lembremos que de nada vale a inteligência sem o respeito aos outros e uma atitude ética. Quando nos sentirmos tristes e isolados, temos que saber que, sim, há outros como nós, que lidamos com naturalidade com o mero fato de ler um livro e discutir um filme, de procurar boa música, de dar alguns passos além do senso comum. E, finalmente, não olhar para o senso comum com desprezo nem medo nem condescendência. Quem foi criado no subúrbio e tentava ler lá seu Dostoeivski enquanto o vizinho ouvia pagode no último volume sabe do que eu falo. Só que o mesmo vizinho vai lá na tua casa e te ajuda a resolver um problema que tu não conseguias, como a pia vazando ou o interruptor de luz que dá choque.

3 comentários:

Charles Rubowski disse...

Excelente texto

Juliana disse...

adorei a reflexão!

Renato Torres disse...

Alan,

dia desses conversava numa roda de amigos, e chegamos a esse assunto, da vaidade intelectual. dizia então que, pra mim, a vaidade mais perigosa nem era a do artista, e sim do acadêmico, do que acumula demasiado conhecimento. sabemos bem o que é correr atrás de coisas interessantes num contexto suburbano e pouco intelectualizado, mas também sabemos apreciar o quanto é divertido e diverso esse mesmo contexto, onde existe o brega e as mesas de bilhar, por exemplo (isso bem antes de o Brasil se render ao tecnobrega). o segredo, claro, está em manter-se longe da arrogância e do impulso sectário. parabéns pelo ótimo texto, mano! saudades tuas!

abraços,

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